CARRUAGEM 3 - PARTE I
- Eva Ribeiro
- 7 de set. de 2020
- 4 min de leitura

Entrei no metro, sensivelmente à mesma hora e procurei de imediato o lugar que sempre escolhia para fazer aquele percurso. O lugar número sete da carruagem 3 era o meu preferido e já não me lembrava um dia em que não me tivesse sentado lá. Apenas tinha um lugar ao meu lado e o meu era virado no sentido da marcha e junto à janela. Como entrava quase no início da linha, raramente estava ocupado, mas de estação em estação, o cenário mudava.
Sentei-me tranquilamente e durante uns breves instantes, fiquei a olhar para o exterior…quase como que pensando “na vida que me espera lá fora” e eu aqui dentro, mas a verdade é que estava bem, sentia-me bem e as minhas rotinas davam-me a paz que eu precisava, não necessariamente a que queria. Peguei no meu livro, já com umas boas páginas lidas e mal senti que estávamos em andamento, comecei a ler, ignorando onde estava, quem entrava ou saía, apenas erguia os meus olhos para o revisor quando tinha que mostrar o meu passe, embora ele já me conhecesse, de todos os dias me ver sempre que por ali passava. Mas hoje este gesto fez-me reparar num homem que estava em frente a uma das portas, pois nunca o tinha visto ali. Moreno, olhos escuros, roupa de executivo que lhe moldava as formas de um corpo bem tratado, apenas lhe faltando a gravata, o que dava um ar menos formal à indumentária. Fiquei a olhar para ele algum tempo, desviando a atenção do meu livro, e por momentos tentei imaginar o que fazia, de onde vinha e para onde iria. O meu olhar era inocente, mas curioso e devo ter ficado demasiado tempo a olhar para ele que, a dada altura, ele virou-se na minha direção e encontrou o meu olhar perscrutador. Rapidamente corei e fiz a coisa mais estúpida que alguém quando é apanhado faz, tenta esconder-se, atrás de um livro, sabendo que isso não iria esconder-me, apenas evidenciar que tinha sido descoberta…e mostrava um claro sinal de segurança.
Baixei lentamente o livro e o meu olhar voltou a procurá-lo. O olhar dele continuava fixo em mim e eu não percebia porquê. Entretanto casualmente o lugar ao meu lado vagou e inesperadamente vejo-o caminhar lenta, mas de forma confiante, para o alcançar, sentando-se ao meu lado.
- Bom dia. – Diz após sentar-se.
- Bom dia. – Respondo, ficando quase sem ar…e a primeira coisa que me atinge é o perfume dele, que rapidamente me inunda as narinas e me envolve. Um perfume diferente e que me faz desejá-lo sem sequer saber nada dele.
- Posso perguntar que livro está a ler? – Pergunta olhando para a capa do livro que ainda seguro.
- “Travessuras da menina má”- Digo.
- Título sugestivo…- Diz. - E está a gostar? – Perguntou-me.
- Sim bastante. – Digo simplesmente.
- Também é uma menina má e que faz travessuras? – Perguntou-me ele, esboçando um sorriso perverso.
Corei de imediato e olhei para o lado de fora do metro, mas não deixando de sentir a mão dele na minha perna.
- Desculpe se fui indelicado, não era minha intenção. – Disse quando reparou que eu ajeitava o casaco fino que me cobria o vestido em tons avermelhados que tinha escolhido para levar.
- Não foi indelicado…eu é que talvez já não tenha capacidade de me esconder… - Digo sem perceber muito bem o que lhe estou a dizer e achando que ele ainda vai ficar a perceber menos. Olhei para ele nesse momento e tinha exactamente o mesmo olhar, fixo em mim, nos meus olhos…e continuava com a mão na minha perna, sendo apenas o tecido do meu vestido o que separava a pele dele da minha.
- Para quê esconder? – Perguntou ele sem sequer saber a que me referia. – E esconder o quê?
- Se eu não esconder…perco-me com facilidade e isso não pode acontecer. – Disse, sabendo que ele não iria perceber nada e iria certamente levantar-se, pois a conversa não tinha qualquer nexo.
E do nada, a mão dele acaricia a minha perna por cima do tecido e ele vê-me reagir, mas não afastar. A mão sobe por cima do tecido, numa carícia que me obriga a desviar o olhar dele para baixo, mas rapidamente a mão dele o recupera quando segura no meu queixo e o eleva para ele. Faz-me rodar a cabeça na sua direção e pede-me:
- Olha-me…não fujas. – Ele tinha entendido o que eu não tinha dito. E nesse momento o meu olhar volta a encará-lo e trinco o lábio, mostro o prazer que sinto pelo toque que imprime no meu corpo. – Gostas? – Pergunta-me de forma simples.
Olho para o lado de fora da janela e apesar de não lhe responder, elevo um pouco o vestido e tiro as cuecas brancas rendadas e depois sim, viro-me para ele.
- Toma. Se amanhã te vir aqui, entregas-me as cuecas, pois venho sem nenhumas no corpo. – Digo olhando-o fixamente, vendo-o fascinado pelo que lhe devolvo…pelo que consigo cativar. E a ereção que se desenha por baixo das calças diz-me sempre que tenho razão…e mostra-me sempre a previsibilidade dos meus actos e a que conheço de cor.
- Veremos….mas fixei a carruagem 3. Se vier, trago-as comigo. – E dizendo isto levanta-se para sair. – Não sei o teu nome… - Disse-me na esperança que lho dissesse.
- Nem vais saber… - E pego no livro, com uma frieza incrível e volto à página que lia. O metro para e ele sai da carruagem, um pouco baralhado pela súbita mudança de humor e de predisposição. Depois das portas se fecharem, ergo o olhar e nesse momento vejo-o do lado de fora a olhar para mim. Volto a baixar o olhar para a página do livro, mas não consigo ler…não até sair dali, não até estarmos em andamento, o que não tarda por acontecer. E só nesse momento respiro de alívio, não por o ter deixado para trás, mas por o ter poupado…a algo que sei que iria suceder, desde que se sentou ao meu lado…e estava só a começar.
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