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DANAË – PARTE I


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O despertador não tinha tocado naquela manhã e isso fizera com que, contrariamente ao habitual, me tivesse atrasado mais do que alguma vez acontecera. Saí de casa mal consegui e apanhei o habitual trânsito matinal. Não me queixei como de costume, pois isso permitiu-me ver retocar o baton, hoje de cor vermelha, o rimel e o blush e depois de terminada esta tarefa, ir vendo os emails de serviço e que era a minha tarefa diária mal chegava ao escritório. Nada de urgente e poderia prosseguir. Sabia que o cliente iria ser pontual, como era seu hábito e para meu azar, certamente neste dia, chegaria mais cedo que nos restantes. Contei até vinte e depois marquei o número da agência.

- Maria, sou eu, estou presa no trânsito. O cliente deverá estar a chegar a qualquer momento e eu estou ainda a quinze minutos daí. – Digo de rompante.

- Bom dia para si também. Por aqui tudo calmo. Se o cliente chegar, fique tranquila que o vou brindar com um café e uma bolachinha de gengibre. Vou levá-lo ao seu gabinete e deixarei que aguarde lá até chegar. Pode ser assim, Sofia? – Perguntou por fim.

- Sim, obrigada. – Digo e pouco depois desligo, ficando bem mais tranquila. Já trabalhava na agência de publicidade há alguns anos e praticamente desde essa altura a Maria era minha assistente, por isso a cumplicidade entre as duas era grande. Contava com ela sempre que precisava e o inverso era também uma realidade.

Estacionei pouco depois, ajeitei o vestido cinzento que teimava em subir pelas minhas pernas acima e vesti o casaco de cor clara, conferindo ao conjunto um ar formal, mas leve pelas cores que tinha conjugado. As meias de liga eram algo a que me tinha habituado há algum tempo e por isso, deslizei confortavelmente até à porta de entrada do edifício e subi até ao 7º andar. O som dos meus saltos altos ecoavam no soalho, mas nada que não sucedesse nos outros dias, mas neste em particular o semblante era um pouco mais carregado de confiança e que era a imagem de marca, sobretudo quando os clientes me aguardavam. Numa agência de publicidade, o nosso cartão de visita é a imagem e a forma de estar. Eu sabia isso melhor que ninguém, de outra forma, o pijama ou as calças de ganga que estavam mais à mão teriam sido a primeira escolha do armário.

- Maria, bom dia de novo. Ele já chegou? – Pergunto o mais discretamente que consegui.

- Sim, levei-o até à sua sala. Não está lá há mais de 5 minutos. – Informou-me e à medida que me ia afastando dela, ouvi-a dizer.

- Parece-me bem disposto. – Disse e fui a sorrir pelo corredor e pouco depois, paro na porta entreaberta do meu gabinete. Ele estava de pé a contemplar o único quadro que tinha pendurado na parede.

- Bom dia. Não o sabia apreciador de arte. – Digo, tentando quebrar aquele gelo inicial.

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- Bom dia. E eu não a sabia apreciadora de Klimt. Porquê esta pintura a óleo? – Perguntou-me.

Tentei dissimular alguma atrapalhação pela inesperada pergunta e que nunca ninguém costuma fazer. A verdade é que não tenho por hábito receber os clientes no meu gabinete e sim na sala de reuniões, mas hoje tinha sido impossível de outra forma.

- Primeiro porque gosto muito de Klimt, sobretudo as obras desta sua fase dourada, mas foi de facto o simbolismo da pintura que me fez escolhê-lo: a perfeição e a transcendência. Estes dois vetores fazem-me sentido no meu trabalho. – Digo, tentando dizer apenas o que socialmente é mais correcto. Omiti a parte do erotismo, do prazer e da excitação que a mulher sente.

- Inspira-a portanto? – Perguntou ele e estendeu-me a mão para o habitual cumprimento.

- Sim, sobretudo quando tenho um trabalho criativo em mãos, quando fico só… - E recolhi a minha mão, indicando-lhe a mesa para nos sentarmos e debatermos os tópicos que haviam ficado pendentes desde a última reunião.

Ele acompanhou-me a pouco depois, sentei-me relativamente perto dele. Optamos pelas cadeiras do lado da janela, viradas de frente para a porta e tendo a luminosidade do dia, que apesar de cinzento, mostrava a sua claridade através da enorme janela que tinha e que acompanhava todo o espaço.

- Relativamente ao que nos pediu na última reunião, fiz aqui alguns ajustes na apresentação e que quero mostrar-lhe. Tenho três sugestões para lhe mostrar. – E abri o meu Pc portátil e comecei a mostrar-lhe a primeira, vendo-o muito atento ao que lhe ia dizendo e às razões da escolha daquele layout e daquela informação. – Vamos à segunda ou prefere rever esta? – Perguntei olhando para ele. Estranhamente pareceu-me desconcentrado e ocorreu-me que poderia ter saltado o café que a Maria lhe teria oferecido antes de eu chegar. – Que indelicadeza a minha. A Maria ofereceu-lhe algo para tomar quando chegou? – Perguntei, pegando no meu telefone.

- Ofereceu sim, mas confesso que recusei. – Disse ele cordialmente.

- Vou pedir agora e acompanho-o. – Digo e rapidamente peço um café para dois e as bolachinhas que não dispenso. Maria, traga também os chocolates, pode ser? – E desliguei, retomando onde havia ficado, mas fui interrompida pelo olhar dele de novo fixo em mim. – Desculpe, quer mais alguma coisa? Leite, água, sumo? – Perguntei, ciente de que ele denotava falta de algo.

- Obrigada Sofia, parece-me perfeito. – Diz e a Maria não tarda a entrar no meu gabinete com o tabuleiro, dispondo sobre a mesa, os dois cafés, o pratinho com os biscoitos e outro com os chocolates e dois copos vazios e um jarro com água.

- Obrigada, era mesmo isto que estávamos a precisar para prosseguir. – Digo e pego no meu café e ele faz o mesmo. – Retiro uma das bolachas de gengibre e reviro os olhos quando provo.

Vejo-o muito atento aos meus movimentos.

- Não perca as bolachas de gengibre. São deliciosas. São de um cliente nosso que quando passa por cá faz questão de nos deixar sempre. – Digo e ele tira uma para provar.

- De facto são muito boas. Percebo porque não as dispensam. – Diz e prosseguimos.

Aquela breve pausa termina e depois de afastarmos as chávenas, passamos à segunda apresentação, à qual se segue a terceira. Fico a aguardar a introspeção dele e finalmente depois de algumas notas tomadas, dirige-se a mim.

- No seu entender e, conhecendo o público que pretendemos atingir, qual lhe parece ser a mais direcionada. Qual escolheria se fosse para si? – Perguntou-me sem eu contar.

- Gosto de todas, mas devo dizer que a segunda é aquela que acho que melhor preenche todos os requisitos que querem. Partilha da mesma opinião? – Perguntei, querendo colher também a sua opinião.

- Fiquei com a mesma ideia sim. Mas queria saber até que ponto os nossos pontos de vista eram coincidentes. – Disse por fim.

- Não precisam de ser. Por acaso até o foram, mas nem sempre isso acontece e até a apresentação 2 poderia ser melhorada ou misturar algo das outras duas que também viu. – Digo, rematando a questão.

- Parece-me perfeita. O Klimt ajudou? – Perguntou, fazendo referência à pintura.

Eu corei tenuemente e tentei disfarçadamente tomar nota do que ele me tinha dito, optando por não responder, porque a leve insinuação à pintura aludira a algo erótico e ao qual eu não estava habituada a ter que lidar, pelo menos não em contexto de trabalho.

- Sendo assim, optamos pela apresentação 2 e enviar-lha-ei, após a nossa reunião, diretamente para o seu email. – Digo, tomando nota do que vou combinando com ele e pegando, de seguida, num dos chocolates que a Maria trouxera.

- Se disse alguma coisa que a incomodou, peço imensa desculpa. A breve alusão ao Klimt foi porque, efectivamente, sou um apreciador de arte, o que mostra e o que oculta. – Disse-me.

- Não, está tudo bem. Não estou habituada a receber os clientes no meu gabinete. É um espaço mais pessoal e tenho de repensar esta peça na parede. – Disse e os meus olhos foram dele para o quadro e inadvertidamente triquei a ponta da caneta e apertei as pernas uma na outra, um gesto involuntário, mas que não lhe passara despercebido.

- Gosto de encontrar verdadeiros apreciadores de arte. Há quem colecione obras de arte e nem sabe o que tem ou o seu significado. No seu caso, há todo um sentir, toda uma ligação à peça que é raro ver. – Diz e levanta-se, ficando de frente para o meu quadro.

- Pois, imagino que seja assim. – Disse evasivamente, ciente que a conversa estava a mexer comigo.

- Klimt é erótico, lascivo sem o ser, evidencia o prazer em peças como esta e isso excita. – Eu olho para ele, com um misto de incómodo e excitação.

- Não poderia estar mais de acordo consigo. – E aproximo-me dele e fico a olhar para a tela.

- Posso fazer uma pergunta indiscreta, à qual só responde se quiser? Permite-me? – Perguntou, olhando-me diretamente.

- Sim, o que pretende saber? – Perguntei e esperei, já com a pulsação descontrolada.

- Excita-a olhar para esta tela e saber que está ali uma mulher, sedenta de toque, excitada, molhada, predisposta a….? – Ia continuar, mas aproximei-me dele e tapei a boca dele com dois dedos, impedindo-o de prosseguir.

- Sim, muito. – E tento a custo controlar-me.

- Excita-a a ponto de se querer masturbar? Fazer sexo? Olhe para a tela… - E olhei, como ele tinha pedido…e sinto-me verdadeiramente a escorrer.

Trinco o lábio inferior.

- Sim.

- Quer quando? Onde? Como? Com quem? – Perguntou retoricamente.

- Falemos num campo utópico. Eu diria...já…aqui… - Respondo sem filtros e, fecho os olhos depois de me ouvir confessar.

 
 
 

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