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PORQUÊ?

Atualizado: 25 de abr. de 2022


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Esta noite acordei algumas vezes sobressaltada. Sonhos esparsos em que corria, fugia e em todos eles me faziam acordar com calor, apesar de a noite ainda ser fria, retomando com dificuldade o sono. De manhã quando acordei sabia que tinha dormido, mas o repouso fora menor do que aquele que precisava para recomeçar uma semana de trabalho. Ignorei o que me poderia precipitar aquela atividade onírica intensa e rapidamente me vesti, depois de um banho rápido, saindo de casa pouco depois.

Entrei no metro, na estação que fica mesmo em frente a minha casa, já que hoje ia para o centro da cidade e isso raramente me fazia optar por levar o carro. Sentei-me do lado da janela, propositadamente do lado onde poderia ver as margens do rio Douro…o Porto e aquele início de manhã banhado com os primeiros raios de sol do dia.

- Posso? – Perguntou uma voz masculina, interpelando-me se podia sentar-se no banco ao meu lado.

- Claro. – E nem desviei os olhos da janela. A indiferença e a apatia que me assolavam eram, sem sombra de dúvida, dominantes.

- Também gosto de ver o rio… - Disse a mesma voz, mas não terminando a frase.

Olhei para ele a custo, como se o que me prendesse àquela janela fosse mais forte ou a indiferença por tudo fosse demasiada para me fazer reparar em algo. O olhar carregado dele em mim e depois na paisagem provocou-me um arrepio quase instantaneamente.

- Não, não posso… - Digo falando para mim.

- Não podes o quê? – Pergunta-me ele.

Suspiro profundamente, uma e outra vez, tentando controlar alguma ansiedade.

- Não posso esquecer-me da estação onde vou sair. – Digo tentando dar uma resposta mais banal ao que o sentimento que me dominava.

- Onde vais sair? – Perguntou-me muito calmamente, o que me deixava ainda mais nervosa. Cruzei as pernas, ignorando que o vestido vermelho me destapasse parte da perna e que terminava nuns saltos altos pretos.

- Na Trindade. – E ia perguntar onde ele ia sair, mas a pergunta não saiu. – Voltei a fixar o olhar na ponte e nas casas que agora ficavam para trás…íamos entrar no túnel e não tardava muito estaríamos a chegar.

- Tens tempo para um café? – Perguntou-me sem eu estar sequer à espera que ele saísse no mesmo sítio que eu e muito menos que me convidasse para um café.

- Porquê? – Pergunto e desta vez sai a pergunta certa…porquê o café, porquê eu, porquê o convite, porquê…

- Porque quero e porque me apetece. – Diz tão simplesmente que quase me rendo à calma dele. Eu já teria fugido com o meu ar aparentemente enjoado e indiferente…sem vida ou brilho, como me descrevia a minha melhor amiga e que eu andava a evitar, para simplesmente não a deixar ver para além de mim.

- Pode ser. Não me posso demorar, pois tenho um compromisso… - Digo e olho-o nos olhos. O olhar negro e intenso parece-me familiar e faz-me descer, ver uns lábios bem delineados e desço até ver as formas do homem dentro de um vestuário casual e que cobria com um casaco de couro.

Levantei-me quando a estação se aproximava, mas não contava com um solavanco e desequilibrei-me, sendo amparada pelo corpo dele, que me segurou sem hesitar.

- Devias esperar que o comboio parasse. – Disse em sinal de advertência, mas com um sorriso perverso no corpo.

- Eu sei, mas nunca o faço. – Digo e sinto o corpo dele demasiado próximo do meu, sinto o perfume dele e as defesas a fraquejarem.

A mão dele ampara-me o movimento e conduz-me ao corredor, que percorremos até à saída. Praticamente vai colado a mim, como se temesse que me sucedesse o mesmo que há pouco. E aquela proximidade estava a deixar-me inquieta, quase nervosa…o sentimento certo é mesmo medo.

E saímos do comboio, estando fora da estação pouco depois. Fiquei a olhar em volta, tentando orientar-me e sinto o olhar dele em mim.

- Vamos? – Perguntou-me, dando-me a entender que sabia para onde queria ir.

- Não posso… - Ia tentar dizer que não me podia demorar, mas ele não me deixou.

- Eu sei. – Diz e sigo-o, lado a lado.

Não demoramos a chegar ao café, bem perto da estação. Discreto, elegante e pouco movimentado. A música ambiente e as mesas em estilo colonial combinavam com o ar antigo do café. Dei por mim a observar a decoração, as janelas, os livros que via numa estante próxima, terminando nele.

- Gostas? – Perguntou-me ele, tendo estado a observar-me enquanto olhava em redor.

- Sim. – Digo simplesmente, mas devo ter mudado algo na expressão porque o vi a sorrir-me. – Que foi? – Pergunto, tentando perceber os pensamentos dele.

- Vou pedir um café para mim e uma torrada. Que peço para ti? – Perguntou-me.

- Um café apenas. – Digo, sabendo que não iria conseguir sequer comer nada com ele a olhar para mim.

E levantou-se e foi ao encontro do empregado que estava no balcão para fazer o pedido, enquanto eu continuei a olhar para o espaço. Olhei de novo para a estante dos livros e levantei-me também, dando alguns passos até lá e tocando nos livros, como que para os sentir…e os clássicos predominavam. Toquei no Amor de Perdição e olhei para o empregado.

- Posso? – Perguntei.

- Pode sim. Os livros estão aí para ler, mas nunca ninguém se aproxima da estante sequer. – Confessou e nisto, olho para a mesa para confirmar que ele já se encontrava sentado, quando reparo que ele já está perto de mim e coloca-se ao meu lado.

- Que livro chamou a tua atenção? – Perguntou-me simplesmente.

- O Amor… - E fiz uma pausa, como que sentindo a palavra. - …de Perdição. – Digo e coloco o livro na estante.

- Traz para a mesa. – Diz ele olhando para mim. Sentia-me tão transparente e na verdade, sabia que ele não conseguia sequer perceber.

Mas peguei no livro e desviei-me dele para passar, sentando-me pouco depois na mesa. O cheiro do livro era como perfume para mim. Folhei-o, sem procurar numa página específica, mas apenas pelo simples prazer de ter aquele livro entre mãos e sentir as personagens que me era tão familiares desde sempre.

- Porquê? – Foi a vez dele perguntar, passando a mão na minha e descendo até à minha perna.

Nisto o empregado trouxe o nosso pedido, interrompendo a tensão que eu criara e que ele dera continuidade com a pergunta feita e à qual eu não respondera e que se prolongou através do gesto. Sorri perversamente, aquele sorriso que é o prolongamento da minha alma e que ele viu desenhar-se no meu rosto.

- Esse sorriso…estava escondido? – Ups…ele tinha notado. Trinquei o lábio e fitei-o, como se o olhasse pela primeira vez. O olhar mudara, certamente o meu semblante também. O vermelho estava mais vermelho e por alguma razão que eu queria ignorar tudo ganhara mais cor. – Porquê? – Perguntou-me de novo.

- Porque posso e me apetece. Falava do sorriso, claro. – Disse sorrindo, deixando aquele porquê pendente de resposta…um porquê merece tantas respostas…mas eu dera a mais simples, a mais óbvia…as restantes questões tinham obrigatoriamente de ficar pendentes…

Bebi o meu café sob o olhar perscrutador dele.

- Costumas ser sempre assim? – Perguntou-me.

- Assim como? – Respondi com uma pergunta pois efectivamente não sabia a que se referia.

- Evasiva e fugidia? Sensual e perversa? Distante, mas próxima ao mesmo tempo? Fria e quente? E poderia continuar, mas gostava de perceber. – Pergunta ele e não tem ideia da complexidade que as perguntas simples que me dirigiu têm.

- Tenho de ir ao Wc primeiro. – Digo levantando-me e deixando-o sem resposta de novo. Estava a tremer e não sabia se era de medo ou de desejo, ou os dois. Já no Wc, entrei no pequeno compartimento e saí pouco depois…olhando-me ao espelho. Procurei-me na imagem reflectida…e não me encontrei, apesar de ver a mulher.

Saí da casa de banho e vi o livro pousado em cima da mesa e o lugar vazio ao lado.

Gelei, voltando ao livro que sobressaiu por ter um pequeno cartão no meio. Abri e antes de pegar no cartão que sabia tido sido certamente deixado por ele, li o excerto que conhecia de cor:

“O coração é a víscera, ferida de paralisia, a primeira que falece sufocada pelas rebeliões da alma que se identifica à natureza, e a quer, e se devora na ânsia dela, e se estorce nas agonias da amputação, para as quais a saudade da ventura extinta é um cautério em brasa; e o amor, que leva ao abismo pelo caminho da sonhada felicidade, não é sequer um refrigério.”

Suspirei e tirei o cartão que marcava aquela página. Vi o nome dele escrito em letras pretas, Marco Rangel, consultor e de seguida li na diagonal a morada e contacto da empresa. Virei o cartão e li o que ele deixara escrito para mim.

“Liga-me”

Percebi que ele já tinha pago e depois de colocar o livro na estante, saí do café e fiquei ainda algum tempo a olhar para o telemóvel, indecisa se havia de ligar-lhe ou não.

- Marco Rangel? – Perguntei tentando manter uma voz firme. Tinha optado por ligar-lhe e se não o fizesse naquele momento, algo me dizia que não o voltaria a fazer.

- Sim, é o próprio. Com quem falo? – Perguntou de imediato.

- Com a mulher do comboio, do café…de vestido vermelho. – Digo e ficamos ambos em silêncio. – Pediste que te ligasse… - E deixei em suspenso o que iria dizer para ele continuar.

- Sim, primeiro para te dizer que tive de sair pois recebi uma chamada e tive de vir praticamente a correr para o escritório e não tinha outra forma de te dizer e segundo, queria convidar-te para jantar.

- E quando queres jantar comigo? – Perguntei.

- Hoje. – Respondeu prontamente, o que me fez de imediato corar e trincar o lábio.

- Pára de trincar o lábio e responde-me. – Diz ele.

Hesitei antes de responder. Era demasiado cedo e não sabia se fazia sentido aceitar o convite daquele estranho. Não sabia nada dele, não o conhecia de lado nenhum e na verdade não sabia o que lhe dizer.

- Não sei como vai terminar o meu dia. Posso dizer-te mais tarde? – Termino por dizer.

- Claro que sim. – Respondeu serenamente.

E pouco depois desliguei o telefone, ficando a olhar o visor e o número dele desaparecer. Memorizei o número e guardei o telefone na carteira, caminhando até chegar ao local onde tinha a reunião com o cliente. Passei a recepção e depois de anunciada, deixaram-me subir até ao 9º andar e esperar na sala de espera. A vista daquele edifício era deslumbrante, tinha de admitir.

- Joana Albuquerque? – Perguntou uma voz que me pareceu familiar e quando olhei vi o mesmo homem que viera comigo no comboio, que sentara comigo no café e agora estava ali, tendo apenas substituído o casaco de couro por outro com um corte mais formal.

- Prazer. – Estendi a mão e ele puxou-me para ele.

- Marco Rangel. – Disse-me ao ouvido. – Não sabia que ias ser tu a vir fazer a apresentação da marca ao meu cliente, mas fico contente por isso.

- Eu não sei se posso dizer o mesmo. – Digo e liberto-me daquela proximidade que me começou a incomodar.

- Então porquê? – Perguntou ele de novo.

- Gosto de separar a minha vida pessoal, da minha vida profissional…e contigo aqui estamos a misturar um pouco tudo. – Confessei.

- Verdade, mas tenho a certeza que seremos bons em fazê-lo. Não te parece? – Perguntou-me.

Assenti e pouco depois conduziu-me à sala de reuniões que nos aguardava.

- O teu cliente ainda não chegou? – Perguntei, ansiosa por ter mais alguém ali.

- Acabou de me mandar uma mensagem a informar que está um pouco atrasado. Sei que já tomamos café, mas queres tomar ou comer alguma coisa enquanto esperamos? – Perguntou-me e senti o ar desaparecer.

- Aceito um chá. – Disse, pois sabia que seria uma forma de o manter ocupado e distraído a tratar disso e menos focado em mim.

Pediu o chá pelo telefone e indicou-me a cadeira no fundo da mesa, sentando-se na cabeceira, mas aproximando a cadeira da minha.

- Não tarda muito e trazem o chá. – Digo, tentando afastá-lo de mim, mas sem sucesso.

E sinto as mãos dele tocarem as minhas e pegarem numa delas e colocarem sobre uma das pernas dele, gesto que repetiu com a mão dele…e que pousou subtilmente em cima da minha perna, coberta com o fino tecido da meia. Eu sentia a calça de sarja suave sobre a palma da mão e subi um pouco, gesto que ele repetiu em mim, começando o vestido a subir com esse toque.

- Porquê? – Pergunto eu, com uma voz lânguida, arrastada.

- Porquê? – Devolve-me ele.

E nisto batem à porta. O chá tinha finalmente chegado e ele foi buscá-lo. Reparei na tensão em que estava e sim, na tesão que não conseguia esconder. Trouxe o pequeno tabuleiro e que trazia uns biscoitos a acompanhar. Agradeci e cruzei a perna, desviando o meu olhar para a bebida quente que ele tinha pedido, mas voltei a sentir as mãos dele sobre uma das minhas pernas, fazendo com que as descruzasse. O toque era intenso, magnético e dera por mim a suspirar uma e outra vez. Nenhum dos dois falou, o meu corpo reagiu ao toque e o dele estava a reagir…e as calças, ou melhor para onde olhei quando me recostei a saborear um dos biscoitos, já não disfarçavam a ereção dele.

- Porquê? – Volto a perguntar, mas desta vez com uma nota de perversidade na voz.

- Porque eu quero, tu queres… - E sinto o toque suave de um dos dedos nas meias de liga, alcançando pouco depois o tecido das minhas cuecas.

- Porquê? – Volto a perguntar.

E depois, habilmente move a mão para o interior das minhas pernas, que toca levemente, afastando de seguida, de forma hábil, o tecido das cuecas e toca com o dedo nos meus lábios, ligeiramente molhados.

- Porque quero tirar-te as cuecas. – Diz e facilito o movimento que lhe permite fazer isso mesmo.

E o toque continua depois de guardar as minhas cuecas no bolso, mas antes delicio-me com o pormenor de o ver cheirá-las e ter fechado os olhos, como que tentando gravar o meu cheiro.

- Adoro….

- Porquê? – Volto a perguntar.

- Porque vamos ter uma reunião…e eu quero-te excitada…quero ver a mulher…

E nisto o telefone dele toca e ambos estremecemos. O cliente tinha chegado. Ocupamos cada um o seu lugar e antes dele entrar, pergunto uma última vez.

- Porquê? – E desta vez fixo as calças dele, o caralho que ainda está desenhado no tecido.

E trinco o lábio, passando ao de leve a língua por ele.

- Não faças isso. – Pediu ele, quase implorando.

- Porquê? – Pergunto de novo.

- Porque me excita. – Respondeu.

- Não íamos conseguir separar as coisas? Foi o que percebi? Então, o que se passa? – Perguntei desarmando-o.

- Tu…

- Eu? – Perguntei sorrindo perversamente.

- Sim, tu…e ainda não me disseste se logo jantas comigo. – Diz ele.

- Pois não, não disse. – Respondo e a porta abre-se.

- Porquê?

 
 
 

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