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17º ANDAR - I PARTE

Foto do escritor: Eva RibeiroEva Ribeiro

Estava uma noite quente, daquelas que apesar de ainda não estarmos no Verão, já convida a vestir algo mais leve e a pensar em guardar definitivamente as roupas de Inverno. Não era uma noite qualquer, pois eu tinha uma reunião de trabalho com um empresário local e, por impossibilidade de agenda, tínhamos combinado encontrar-nos nessa mesma noite, antes do jantar. Provavelmente não seria uma reunião muito longa pois, eu já tinha estudado bastante bem o produto que ele me ia apresentar, no entanto por uma questão de cortesia achei simpático encontrar-me com ele pessoalmente para lhe fazer uma proposta de parceria.

Combinamos às 19h30 no bar do Hotel D. Henrique no Porto. Gosto particularmente do bar deste Hotel, pelo ambiente e pela extraordinária vista, e a noite reunia as condições perfeitas para ser uma escolha acertada. Ele anuiu ao meu convite, sem dificuldade, e perto da hora marcada, estacionei perto do Hotel. Pouco passava das 19h30 quando cheguei ao 17º andar, olhando de relance para o espelho do elevador e vislumbrando o meu semblante elegante e o glamouroso vestido preto coberto com uma fina echarpe e uma pequena carteira de mão. Tinha reservado previamente uma mesa no exterior e, quando o empregado me indicou qual era, percebi que ele já lá se encontrava. Fiquei a olhá-lo de longe, era um homem moreno, impecavelmente vestido com um fato preto e que deveria ter aproximadamente a minha idade. Aproximo-me da mesa e ele, ao ver-me, levanta-se quando percebe que sou eu. Ao aproximar-me sou recebida por um olhar penetrante, um perfume inebriante e por um sorriso delicado, mas que de alguma forma limita e determinaria a nossa forma de estar.

Estendo a minha mão, mas rapidamente, ele se aproxima de mim e me dá apenas um beijo numa das faces e que me deixa um pouco ruborizada.

- Peço desculpa, mas a formalidade não necessita de etiqueta. – Justifica-se pelo beijo que deu em vez de aceitar o cumprimento de mão que estendi na sua direção. - É um prazer finalmente conhecê-la Raquel. – Cumprimenta com a mesma elegância enquanto aguarda que me sente de frente para ele.

- Digo o mesmo Marco. Gostei muito do seu projecto e claramente fiquei interessada em conhecer um pouco mais, o projecto e o rosto por detrás dele. Essas duas coisas, para mim são sempre indissociáveis, pelo que achei que era inevitável não nos encontrarmos pessoalmente. – Disse eu justificando o encontro.

- Temos a mesma opinião. – Disse em sinal de plena concordância.

Entretanto o empregado do bar veio ao nosso encontro para saber o que queríamos beber. Para mim foi o habitual Martini rosso, com duas pedras de gelo e limão e ele preferiu um gin.

- Não a imaginava tão nova. – Confessou-me e, por momentos, quase fiquei sem palavras para lhe retribuir.

- Nem eu a si. Brindemos aos projectos inovadores na nossa idade. – Digo, do alto dos meus quase 40 anos.

E o tilintar dos copos e o cruzar de olhos no exacto momento em que fizemos o brinde, fez-me estremecer.

- Espero que isso não seja frio. – Disse-me, não contando eu que ele percebesse o efeito que a voz, a presença, o perfume e a bebida faziam ao mesmo tempo em mim.

- Curiosamente eu diria que é calor. – E sorri enquanto, dando um pequeno gole na minha bebida. – Mas estou curiosa por ouvir falar do seu projecto. Conte-me tudo o que eu preciso saber para podermos investir. – Digo, vestindo de novo a pele de mulher de negócios.

E durante, sensivelmente uma hora, ouvi-o falar do projecto dele e que era justamente aquilo que eu precisava para a autarquia, sobretudo quando o turismo estava a crescer exponencialmente. Mostrei interesse, mas não excessivo, de outra forma iria ser incomportável a autarquia assumir os custos do programa que ele tinha.

E vi-o olhar para o relógio, deduzi que deveria querer ultimar a parceria, pois já estávamos a entrar quase na hora de jantar.

- Marco, pelo que já percebeu, temos todo o interesse em ficar com o seu projecto. E chegamos ao momento em que precisamos de falar de números. – Digo objectivamente.

- Raquel, naturalmente que sim, mas vai-me permitir convidá-la para jantar e falaremos disso durante o jantar. Que me diz? – Perguntou-me.

Olhei para o relógio e naturalmente, tinha que terminar a noite com a proposta fechada, por isso dizer que sim ao convite era inevitável, embora eu soubesse que mesmo que já tudo tivesse sido tratado, eu teria vontade de ir na mesma.

- Digo que sim.

E pouco depois já caminhávamos na direcção do elevador. A porta abre-se e vemos um casal um pouco mais jovem, e que ainda estava a trocar um último beijo, mesmo depois da porta se ter aberto. Sorrimos um para o outro e entramos, sem dizer uma palavra. E nesse momento, fiz o que habitualmente costumo fazer quando entro num elevador, volto-me para o espelho e fico a contemplar a minha imagem, tentando perceber se necessito de retocar algo. E antes de me voltar, ele coloca-se atrás de mim, também virado para o espelho e ajeita ligeiramente a minha echarpe, tocando ao de leve nos meus ombros despidos, o que novamente me faz estremecer.

- Calor de novo, Raquel? – Perguntou, sorrindo, enquanto passava um dos dedos pelo meu pescoço.

E através do espelho olho para ele, e vejo-o de olhos fixos em mim e pergunto-lhe.

- Em que andar estamos?

- 10º andar. – Respondeu depois de contemplar o visor.

- Pára o elevador. – Pedi e ele acedeu sem me contrariar.

- E agora Raquel? – Perguntou depois de o elevador estar parado.

- Agora vamos negociar. - Disse-lhe sem pestanejar.

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